Daniel Senise
Marco Veloso
Publicado no catálogo da exposição do artista na Diana Lowenstein Fine Arts, Buenos Aires, Argentina, em 1999.
“Agora ser artista significa questionar a natureza da arte. Ao questionar-se a natureza da pintura, não se pode ao mesmo tempo questionar a natureza da arte. Se um artista aceita a pintura (ou a escultura), está aceitando também a tradição que a acompanha. Isso porque o mundo da arte é geral, enquanto o mundo da pintura é específico. A pintura é um tipo de arte. Ao produzir pinturas, já se está aceitando a arte, ao invés de questionar sua natureza. Aceita-se, portanto, que a natureza da arte é a tradição europeia da dicotomia pintura-escultura.” Joseph Kosuth
O trabalho de Daniel Senise nos mostra que, quando a pintura questiona sua própria natureza, questiona também a natureza da própria arte. Senise nos ensina que o pressuposto oposto – a ideia de que questionar a natureza da pintura implicaria obstruir o questionamento da arte – deve ser descartado. Suas pinturas se tornaram, ao longo do tempo, uma interrogação singular da definição da arte e de seus contextos.
Daniel Senise possui ideias próprias acerca do significado – a significância e os contextos de uma obra de arte. Ele considera que a consciência disso é preceito básico na formação de qualquer artista. Nesse sentido, Senise é um dos poucos artistas que conheço pessoalmente a partilhar de uma ideia da arte enquanto arte, da arte enquanto contexto e comentário de contextos possíveis para a arte. Segundo afirma, um artista pode ser compreendido a partir de diferentes parâmetros: baseado em sua biografia pessoal, através do filtro da história ou em relação a referências universais. E, em conformidade com isso, a avaliação de todas essas perspectivas pode funcionar como mecanismo permanente para a autocrítica.
Assim sendo, embora não possa ser descrito meramente em termos de permutas formais, seu trabalho nos permite uma aproximação mais íntima ao mistério do artista. Proponho uma breve contemplação de suas pinturas, tendo como foco nos seguintes aspectos: primeiro o fundo pictórico; então a emergência das figuras; a constituição material de cada imagem (uma análise muito bem iniciada pelo historiador da arte britânico Dawn Ades); e, por fim, levando em conta os tipos de forças antigravitacionais presentes e/ou visíveis nos trabalhos. Embora sejam mais explícitas em suas pinturas recentes, essas forças também podem ser encontradas em alguns de seus primeiros trabalhos. Nas pinturas hoje expostas em Buenos Aires, essas forças de separação ocupam a parede inteira e pela primeira vez se fazem visíveis como tal, através de um universo visual de imagens suspensas.
Embora Daniel Senise saiba se comunicar no âmbito da cultura cosmopolita, a ultrapassa. Nos trabalhos anteriores a esta exposição, o pintor se concentrou no conceito de paisagem, conforme entendido em seu sentido mais geral, ou seja, de acordo com a definição a ela atribuída desde o período romântico. A figura, no passado simplesmente isolada, era associada de forma mais ativa ao sublime-vazio, criando a paisagem sem necessariamente depender da ilusão naturalista. Nas pinturas mais recentes, com o desenvolvimento das forças antigravitacionais aparentes, ocorre o mesmo processo: um aprofundamento da sensibilidade criativa no que diz respeito à natureza da arte e a suas expressões.
Tradutor: Bruno Cobalchini Mattos
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