Silhuetas
“‘Sem Título’, 1996, tela de dois metros por um metro e cinquenta, traz em meio a uma barafunda de recortes rígidos, lascas metálicas dispersas e em suspensão, a silhueta de um macaco com o braço estendido para o alto. O campo da pintura divide-se em partes cheias e vazias, entre a superfície cinza-clara e áspera da tela de tecido e as superfícies duras e escuras dos estilhaços planos de coloração ferruginosa, entre partes maculadas por manchas e parte de matéria retesada. A silhueta do macaco sofre o mesmo tipo de tratamento dos resíduos metálicos, de tal modo que por um momento colocamos em questão se a sua identificação depende mais de um esforço da nossa imaginação do que da precisão do recorte. Ainda que não, que reconheçamos o grau de aderência da forma a um sentido mais evidente, o fato é que essa situação cria uma predisposição para que saiamos trespassando os outros fragmentos de significações possíveis. A tela, aspecto que pode ser estendido à maioria das telas de autoria do artista, afigura-se como um palimpsesto: dentro da tela há outra tela e assim por diante, num encadeamento sem fim.
‘Grand Salon’, obra que acompanha a fatura da anterior, é um dos melhores exemplos obtidos pelo artista da tela compreendida como uma pletora de sentidos. Embora o tom ferruginoso e sombrio ocupe todo o quadrilátero da tela exercendo um nivelamento tonal, nota-se a demarcação de uma região mais escura à direita pelo alto e pela lateral, como a entrada de um cenário. Esta situação arquitetônica fica sutilmente sublinhada com a percepção de um elemento vertical mais claro — uma coluna? — situada um pouco recuada em relação à entrada do ambiente. Contrariando esse enunciado, distinguimos junto a alguns cacos metálicos chapados, entre os quais se inclui o fragmento de uma grade ornamentada, as silhuetas de algumas formigas transitando pelo plano da tela. Assim, do meio dos resíduos, de um vórtice constituído de matéria gasta e corroída, irrompe a sugestão de um ambiente vazio simultaneamente a de um outro ambiente visto a partir de um detalhe amplificado, um chão infestado de formigas agigantadas.
(trecho do texto “The Piano Factory”, de Agnaldo Faria, publicado em Daniel Senise. The Piano Factory, Andrea Jakobsson Estúdio, Rio de Janeiro, 2002)