O sol me ensinou que a história não é tão importante (2010)
“Um exame mais minucioso constata que cada uma das unidades é distinta das outras. São diferenças mínimas, quase imperceptíveis. A ficha técnica da obra nos informa que essas lâminas são confeccionadas a partir de páginas de catálogos e livros de arte e de convites de exposições. Ou seja, é esta gama de materiais, que em eventos artísticos servem de testemunhas, que está aqui reciclada e processada. São testemunhas no limite do apagamento. Entretanto, pontualmente, seus vestígios comparecem o suficiente para revelar algum artesanato, dar provas de uma existência anterior e principalmente para promover certa singularidade às superfícies. No mais, uma dessas paredes que enfeixam a sala pronuncia em sua área um relevo na forma de um retângulo. As outras três são planas. O relevo é obtido pela utilização de unidades com maior espessura. São apenas dois centímetros além. Como a outra distinção, são acontecimentos à beira do indiscernível. […]
O título desse outro trabalho — O Sol me ensinou que a história não é tão importante — comporta-se de modo bem mais enigmático. Antes de o espectador ingressar na sala e se deparar com ele, o quadro já “cochichou” algumas pistas e lembranças. “Repare nos fatos relacionados à minha presença” — parece dizer a tela. Dentro advém o sobressalto. No recinto interno está uma situação distinta da esperada. O público encontra uma serie de retângulos, placas que se distribuem, de cima a baixo, ocupando inteiramente a sala. Um acontecimento silencioso. Como uma parede. Como quatro paredes.
A princípio parece que o evento se resume a essa disposição. Entretanto, uma percepção mais acurada permite a verificação de outras ocorrências. Em uma das paredes, como já dito, várias placas se pronunciam à frente formatando um retângulo, forma geométrica que guarda forte referência ao imaginário da pintura. A constatação dessa circunstância metalinguística possibilita reconfigurar todo o conjunto em prisma idêntico. Em nosso imaginário, também as paredes se comportam como um análogo da pintura. Historicamente, antes de pairarem sobre telas, as pinturas repousavam sobre paredes. Além disso, a partir da condição moderna, a pintura, antes uma janela que se abre para o mundo, impõe-se à visão do observador como um anteparo.
E se essas paredes falam de pintura, a extensão de retângulos brancos salpicados de pontos com cores esmaecidas em sua superfície apresenta-se igualmente como tal, como uma grande pintura que enfeixa o espectador em seu centro.”
(trecho do texto “Na presença de ausentes”, de Marco Silveira Mello, publicado em Daniel Senise: XXIX Bienal de São Paulo, São Paulo, 2010)
https://www.danielsenise.com/texto/na-presenca-de-ausentes/